Gosto da verdade não por seu poder de desmentir. Mas, porque se revela no momento certo, no tempo incerto, quando tudo está devidamente tramado pela mentira. Gosto também da mentira – por exercer fielmente seu papel de enaltecer a verdade a todo custo com sua experiente falsidade. Eis a clássica discussão da dialética sofista versus a erística.
Gosto do embate entre ambas. A verdade e a mentira apreciam um bom espetáculo. Divertem, envolvem e incitam a plateia a tomar partido em defesa ou acusação de uma e de outra. As pessoas aplaudem, vaiam, gritam silenciam-se e em alguns momentos chegam a duvidar em seu interior: É verdade ou mentira?
Na grande trama de conceitos, ideias e artimanhas dualistas, verdade e mentira se beijam, estapeiam-se e fazem as pazes depois, posicionam-se para a guerra. Para onde uma vai a outra a persegue. O carma de uma certamente é a presença da outra, mesmo quando parecem ausentes.
Dona dúvida, a indecisa da plateia corre de um lado para o outro a roer as unhas. Seu esposo, o velho “questionamento”, desconfiado – não para de indagar: Por que? Como assim? Será?
Seus filhos: “aceitação e inconformismo” vivem discutindo – deixa isso pra lá… Não! Temos que encontrar uma solução!
Do outro lado, a inconsequente “discórdia” cospe para o alto e faz cara de inocente só para ver seu filho “confusão” entrar em cena. Dona “soberba”, mãe de discórdia, assiste toda a bagunça daquela acirrada disputa a gritar: Idiotas! Bando de imbecis! Porém, seu esposo “malandragem”, parece ser um dos poucos a se divertir. Ele não entende nada do debate entre mentira e verdade, mas escancara a boca a ponto de lacrimejar os olhos de tanto rir das palavras lançadas pela multidão.
Tudo acontece ao mesmo tempo no grande espetáculo multifacetado promovido por todos os servos adoradores da razão. A essência de todas as coisas. Algo que não se alcança, mas se sente, que se quer e se tem em momentos breves. Contudo, a razão prefere o silêncio e por isso deixa seus discípulos: “certo” e “errado” passearem no meio de toda aquela confusão em busca de adeptos.
Gosto da verdade e da mentira. Pois enquanto defendem suas teses, prendem a atenção da plateia – direta ou indiretamente enquanto ninguém percebe que ali, no meio do burburinho e de tantas buscas, achismos e ausências, observa o silêncio.