Casamento à base de palmatória

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Em abril de 1877, na Vila Nova de Buique, dois amigos e suas respectivas pretendentes, no auge de seus relacionamentos, desejando com fervor, tornarem-se uma só carne. Resolveram fugir para viverem juntos todo amor que sentiam por suas parceiras. Porém, romantismos à parte; queriam mesmo era isentar-se da cerimônia de casamento, das despesas e documentações exigidas perante a lei dos homens e de Deus.

Acharam conveniente raptar as pretendentes e levá-las até o Frei Estevam de Hungria – frade barbadinho que andava pela região durante as Santas Missões. O plano era “obter a bênção matrimonial sem cerimônia, convidados e custos”. Diziam querer reparar o erro cometido e a preocupação gerada aos familiares daquelas moças que há pouco, haviam raptado de suas casas, seguindo diretamente até o Frei que, os acolhera bem e ouviu atento a toda história narrada pelos mesmos que contavam com a compreensão do Santo varão para que abençoasse a união entre os casais.

Não havendo mais o que fazer, concordou o Frei em abençoá-los. Porém, mandou chamar os pais dos rapazes e moças para que estivessem presentes no momento da bênção. Estes, consequentemente, convidaram os demais parentes que seguiram maciçamente até a Matriz de São Félix. Ao contrário do que esperavam, não escaparam da cerimônia, que acabou tendo mais gente do que haveria de ter em condições normais. Ocorre que além dos parentes, a igreja encheu-se de curiosos. A notícia alastrou-se por quase toda vila como que levada pelo vento e cada vez mais pessoas iam se aproximando. As que não couberam na matriz, se estenderam pelo pátio e com isso, a igreja mais parecia o último dia de um novenário.

A união que deveria ocorrer sem custos, de maneira discreta e sem cerimônias acabou virando a grande atração da Vila Nova de Buique dos últimos meses. As fofoqueiras iam e vinham nas calçadas, chacoalhando a língua entre os dentes com frases moralistas, expressões maldosas e apontamentos feitos com olhares, rabissacas ou os lábios em forma de setas na direção da igreja. As mais ousadas, caminhavam como quem come um prato de papa pelas beiradas até chegar no centro da ocorrência. A verdade é que não perderiam por nada os detalhes daquela cerimônia que mais parecia um espetáculo ao vivo.

Estevam, proclamou em voz alta o seu sermão, lançando para a população, várias reflexões em sinal de reprovação ao comportamento irresponsável adotado por aqueles jovens. Recomendou então aos demais, que não fizessem o mesmo.

2 casamentos a custo de 24 bolos de palmatória

Como punição pela atitude precipitada, o Frei sacou uma palmatória tão antiga quanto rígida e, estendendo-a em direção aos nubentes, sentenciou-nos a um castigo condicional:

O primeiro golpearia uma das mãos do segundo e vice-versa, completando assim, duas dúzias de bolos de palmatória para cada. Sendo assim, 24 palmadas. As noivas não ficaram de fora: receberiam uma da outra, uma dúzia de bolos (12 palmadas). Os curiosos ali presentes testemunharam a punição, de comum acordo entre pais das noivas.

Concluída a seção de castigos, ladeados pelo burburinho do achismo e vários risos, críticas e olhares maliciosos daquela gente. Os casais livraram-se da palmatória e finalmente foram abençoados pelo clérigo. Partiram com certo desconforto, mas satisfeitos e reconciliados com os demais familiares.

O amor, por vezes confunde as pessoas, fazendo-as agir sem pensar nas consequências das ações. Queriam economizar e não gastaram um centavo se quer. Contudo, os bolos do casório, acabaram estampados bem na palma de suas mãos.

Alvos das fofoqueiras

De certo, a primeira noite de núpcias não foi tão doce o quanto almejavam. As fofoqueiras, no final da tarde, agrupadas no batente das casas, disparavam centelhas de saliva em puro veneno. Cogitando como seria as primeiras trocas de carícias daquela mocidade. Ao som de gemidos mistos: alguns de puro prazer, outros pelo latejo das mãos machucadas.

Distante das bocas linguarudas, amaram-se e fugiram para outros lugares; fugiram para uma nova vida. Para longe dos olhares e dizeres. Apenas foram! E no caminho, viveram.

No entorno da praça, vultos às janelas cochichavam com outros nas calçadas. E aqui ou acolá, gargalhadas estridentes ecoavam duma ponta da rua à outra… Sabe lá o que mais comentavam… As línguas afiadas da época guardaram consigo a parte principal de mais uma história da vida alheia que sobreviveu ao tempo.

Terríveis são as fofoqueiras àqueles no qual escolhem bater as línguas. Contudo, benditas arquivadoras do passado que transformam o fuxico em causos.

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Texto adaptado por Paulo César Barmonte | Fonte: Correio Paulistano. Anno XXIV. Nº6123. Abril de 1877.

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