Jararaca, a cobra que virou santo

Morreu o tal bicho brabo,
Tinhoso como uma cobra.
Jararaca em penoso brado,
Rogou por Nossa Senhora.
O bicho, enterrado vivo
ganhou no último suspiro,
um fio de misericórdia.

Chegando no purgatório,
o alvoroço começou…
Um anjo disse ao outro:
O novo santo chegou…
O diabo entusiasmado,
virou o pescoço de lado
e prontamente indagou:

Chegaste bicho perverso
que leva a alcunha de cobra!
És fazendeiro da morte
que só plantava discórdia!
Não podes ser santo, nem padre.
Tampouco fazer milagre.
Já vais passando é da hora!
Então vamos sem demora
e sem conversa fiada.
Pois a hora é agora!
E tua alma já foi carimbada.

Jararaca franziu a testa,
virou para o anjo e disse:
me mande de volta pra terra
porque não vou com esse triste!
E se não me quer como santo,
aceito por hora outra sorte…
Me bote pra ser a morte
e a mim será de bom grado.

O anjo disse: pois bem!
Tu vai descer para a terra.
Mas pra trazer teus amigos
que andam fazendo baderna.
Pois o sertão nordestino
tá cheio de virgulino
Regando com sangue essa terra.

Jararaca vestiu um couro negro.
Não abriu mão do chapéu.
Parecia darth vader
com traços de coronel.
Na mão um facão afiado,
cortava até pau-ferro grosso;
com a marca da morte no braço
e crucifixo no pescoço.
O chapéu sombreava se rosto
com três estrelas no topo;
Brilhava até a bola do olho,
envolta num fumaceiro.

Assim surgiu lá no mato,
graduada assombração.
Na grande emboscada de angicos,
diante de seus irmãos.
Trocaram tiros ao vento;
Furo no couro, faísca em facão.

E dentro de breve momento,
caíram muitos ao chão.
Viera Maria bonita
com os olhos arregalados.
Lampião todo assustado,
reconheceu jararaca:
Maria… Espia o defunto!
Veio da outra banda do mundo?
Mas isso é um absurdo!

Meu cumpade jararaca!
Qual o ar de sua graça?
E o invultado na mata
Falara sem demora:
A vossa vez é agora!
E hoje sou morte por hora;
vim a pedido, buscar os amigos.
Em paz e sem rebuliço.

No céu nós num tem inimigo!
E a lutar não é necessário.
Porém, todo mundo é julgado.
Paguemos nossos pecados
pra conseguir salvação.
E lá não serás Lampião.
Nem tu, Maria Bonita…
O resto, agora me siga;
vamos sair da caatinga.

Deixo acesa a luz de candeeiro
Pra contar um pouco da história.
O último será “vinte e cinco”.
Os dois terão mais janeiros
e daqui há um tempo virão.
Sou morte, mas por enquanto.
Um anjo foi quem deixou.
O purgatório não tem oratório
e tá cheio de coronel
doidinho pra ir pro céu,
piando mais do que pinto.

Uns escapam, outros se lascam
e choram feito menino.
O diabo, capiroto envaidecido
é cabra nojento, bicho perdido!
Vai querer arrastar vocês
Num pé-de-serra fingido.
Com uma certeza soberba
De que estamos perdidos.

Vamos encarar o destino
Pra não virar assombração.
A luta acabou seu menino!
Disse meu São Sebastião.
O diabo enfurecido,
ficou todo indignado:
Num levo nem Virgulino?
Nenhum dos encouraçados?
Me mande Maria Bonita,
vai ficar bem ao meu lado…

Oxe, esse cabra é besta!
Indagou Lampião Arretado:
Aqui minha arma num pega.
Mas se agarro o diabo na goela,
amarro seu chifre no rabo.
E furo o olho dele no dedo
Pra deixar de ser cabra safado!
Jararaca disse então:
Acalma-te Lampião!
Não caia na provocação.
que o troço já foi desandado.

Dali, partiu em mistério,
Jararaca e o resto do bando.
Em Mossoró virou lenda.
deixando na cova um encanto.
No mundo, é o único canto
em que um cangaceiro faceiro,
de janeiro a janeiro,
É o homem com nome de cobra
que leva a alcunha de santo.

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