O silêncio também discursa, e tudo diz sem nada dizer

Às vezes o silêncio tem cheiro de podre, tem cor de torcida e frases escondidas. Ideias profundas encerradas na mente e ideais rasos traduzidos em memes. São de fato, conceitos que emergem e são levados pela correnteza, às margens rasas daquilo que se estampa na face, no olhar, nas palavras e no grito que não tem som. Por vezes, o silêncio é um livro a narrar dissabores, desabafando aversões, esfregando na cara do óbvio aquilo que todos concordam. Contudo, têm medo de falar.

O silêncio também discursa, e tudo diz sem nada dizer. Ele aplaude pausadamente. Ri pelo canto da boca e descarrega mensagens negritadas em caixa alta, fontes cursivas e caracteres estranhos finalizados por uma grande exclamação. Exclamação que em si, fundamenta o pilar que sustenta as razões pelo qual se luta. Nada mais que um pilar da busca. Um poste preterido fincado no centro de tudo sobre o fundo branco onde a maioria se esconde. Essa exclamação é o dedo do meio da mão a apontar em projeção, tudo aquilo que é contrário a ideia que se tem do que vem a ser o certo e o errado.

O silêncio é uma reverência, uma aderência temporária; um gesto, um jeito, um tipo. Um mundo em que poucos alcançam, poucos entendem, poucos conseguem acessar.

O silêncio, quase sempre é um protesto, um manifesto com luva de pelica a calçar a mão de ferro. Uma amazona despida a cruzar o palanque dos burburinhos que adentra a casa dos achismos, das certezas, da prepotência e assiste de perto e de longe o teatro dos vaidosos pavões, o canto dos tristes canários engaiolados, a arrogância dos porcos “chiqueirados” – satisfeitos com a lavagem comedida em restos, das sobras.

O silêncio também pode ser “implosão”. Uma cascata desmanchando-se em volumes uniformes. Como fósforos grudados diante duma chama invisível, elevada pela crendice ao passo em que são entortados os mesmos palitos até que a chama se apague.

Às vezes, o silêncio muda de cores, troca de sabores: por hora se esconde na doçura das flores, se agita nas águas salgadas do mar. Despenca do céu feito tromba d’água ou sufoca a pele pela escassez da terra.

O silêncio as vezes se quebra, fazendo ecoar o caos em sorrisos largos, avantajados, lacrimejantes, sublimes, egocêntricos e materialistas. Mas há quem se fure com seus restos, seus cacos, restos inúteis, rebotalhos… Os pés que pisam o palco das alegorias estridentes lá no fundo sentem e mancam e mentem. Contudo, o velho silêncio de sempre, continua ali.

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