Um banquete na torre dos eus

E lá estava eu. Subindo os degraus daquela torre tão alta que mal conseguia contar os andares. Parei de contar os degraus quando cheguei aos 395. Janelas estreitas e friamente ventiladas mostravam a paisagem lá fora, cada vez menor – era um vale de árvores frondosas e verdejantes, lançando-se para o céu como mãos glorificando a maestria divina representada pelos raios do sol.

No outro lado, um poço profundo e espiralado separava pelo corrimão de madeira, o abismo e eu a subir aquelas escadarias que pareciam não ter fim. Cansei! Fui obrigado a parar, precisava de um descanso e ironicamente surge diante de meus olhos, uma porta amarela.

Antes que tocasse a maçaneta, ela se abriu. Na verdade, foi aberta. Tomei um susto, o homem que abria a porta era eu mesmo. – Como assim? Você sou eu! Eu sei… Somos todos iguais aqui. – respondeu sorridente o outro eu.

Adiante, uma extensa mesa rústica com bordas e pés adornados. Parecia talhada à mão. Não diferente eram as cadeiras que mais pareciam poltronas e apesar do padrão semelhante, haviam elementos que diferenciavam umas das outras, tornando-as únicas.

Então, aquele que também era eu. Mostrou minha cadeira. Eram 8 no total. Todas foram logo ocupadas e para minha surpresa todos eram eu mesmo. Várias cópias de mim, mas de alguma maneira eu podia sentir o que eles sentiam. Era uma grande mistura de sentimentos que tornavam as coisas ainda mais confusas e então compreendi o que se passava: cada um daqueles era um sentimento meu.

E na mesa estavam sentados o eu pessimista, o arrogante, o mentiroso, o sonhador, o aventureiro, o destemido, o observador e eu, o pensador.

Dois novos eus surgem no fundo da sala, arrastando um enorme espelho. Eram o eu sincero e o eu paciente. Eles encostaram o grande espelho à mesa e todos nós fomos replicados e esses replicados eram cada um, as sensações que os sentimentos provocam

O que é a vida? Gritou eufórico o eu questionador. Começou o burburinho, cada um que manifestasse sua versão sobre o que é a vida; cada um que tentasse convencer o eu ao lado. Alguns não deixavam se quer outros falarem direito. Mas todos tinham por base os sentidos. Assim uns se valiam das coisas que viram pela vida, outros daquelas que ouviu, das que leram nos livros antigos, das que viram, sentiram, tocaram.

Todos à mesa tinham versões muito boas para responder tal pergunta. Eram teses e antíteses completas, mas somente um dos eus ali presentes escolheria qual versão considerar. Era eu, o pensador… Que apesar das premissas de cada versão de mim, tinha de escolher apenas uma resposta para acreditar, mesmo sabendo que certas coisas não podem ser creditadas mediante algo que se conclui a partir dos sentimentos e suas percepções obtidas pelos sentidos.

Cada um em suas limitações, tentando buscar uma resposta para algo tão simples e ao mesmo tempo tão complexo. E ao pensar que todos aqueles são partes que formam o eu, vejo o quanto estamos maravilhosamente perdidos, num mundo de perguntas e respostas que nem sempre conseguimos responder. Mas, pensando bem, a vida é uma sucessão de interrogações. Ela começa com perguntas e termina do mesmo modo.

Mas, e o banquete? Não nos fora servido nada! – pensei. Então veio à luz da mente: Sim, palavras! Essas são o verdadeiro deleite que a todos satisfaz. Não importa a pergunta que se faça, o que mantém as coisas em seu curso são as palavras. Não é por acaso que o “universo” tem esse nome. Uni (único) + Verso (palavra). Uma única palavra, refletida nos confins de tudo aquilo que existe e em tudo aquilo que há de existir. Pois, todas as coisas que criamos e as respostas que obtemos, surgem a partir de uma ou várias palavras.

Diante de minha conclusão, desapareceram num sopro as outras versões de mim. Desci as escadas da grande torre e voltei a viver a vida ao invés de questioná-la. Agora, sabendo que a importância de todas as coisas começam por palavras.

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